A etnia Pitaguary esteve reunida em assembléia de 12 à 14 de dezembro do corrente ano na aldeia do Horto para discutir sobre espiritualidade, segurança, educação,medicina tradicional e saúde, benefícios sociais, políticas públicas e parcerias.
Nesse encontro aós ser discutidos e esclarecido alguns pontos entre os Pitaguary e alguns orgãos e representações que estiveram presentes os Pitaguary deram mais um passo de fortalecimento étnico.
Pitaguary é a auto-denominação do povo indígena que vive ao pé da serra entre os municípios cearenses de Maracanaú, Pacatuba e Maranguape. Distando aproximadamente 26 Km de Fortaleza, a Terra Indígena (TI) Pitaguary está situada na região metropolitana da capital cearense, tendo em seus arredores uma área caracterizada pela concentração de indústrias e urbanização crescente. Habitada pelos Pitaguary desde há muito, essa terra é socialmente marcada por uma série de acontecimentos que fundam a memória coletiva de seu povo. Foi nela que os “troncos velhos” pereceram, deixando suas “raízes antigas”, assim como é dela que sobrevivem os Pitaguary de hoje.
De origem Tupi, o termo Pitaguary sempre aparece, nos documentos oficiais dos séculos XVII, XVIII e XIX, designando um lugar: uma serra, um sítio ou um terreno. Possivelmente, é um termo derivado de variáveis do nome Potiguara, etnia que teria ocupado extensas terras, já em 1603, na costa cearense. Para o termo “Potiguara” há diversas interpretações e é nelas que se pode perceber a semelhança existente para com a denominação Pitaguary.
Lima Figuerêdo, por exemplo, na obra Índios do Brasil (1939), enumera as variantes de “Potyguaras” como “Pitinguaras” e “Petinguara”. Fernão Cardim, em Tratados de Terra e Gente do Brasil (1939), refere-se aos mesmos grafando sua variante como “Pitiguaras”. Entre essas denominações surgem outras, como “Potiguare”, “Potigoar”, “Pitagoar”, “Pitinguares” e “Pitinguaras”. Hoje em dia, além da grafia de Pitaguary com “y” no final, são de uso corrente as formas “Pitaguarí” e “Pitaguari”.
História
Em 1665, após os conflitos que envolveram habitantes nativos, portugueses e holandeses no Ceará, os Potiguara formaram um grande aldeamento original cujo nome se conheceria, mais tarde, como Bom Jesus da Aldeia de Parangaba. Grupos menores daí se destacaram e por volta de 1680 constituíram as Aldeias de São Sebastião de Paupina, de onde se originariam mais tarde as aldeias de Caucaia e a Aldeia Nova de Pitaguari.
Também consta nos arquivos que, em 1707 e 1718, os índios de Parangaba receberam, por data de sesmaria, posses de terra na costa da Serra de Sapupara e na Serra de Maranguape, enquanto os índios de Paupina, em 1722, receberam suas terras na Serra de Pacatuba. Um século mais tarde, em 1854, o sítio Pitaguarÿ era registrado como terra de posse indígena, levando o nome de 21 índios e seu líder, Marcos de Souza Capaiba Arco Verde Camarão. Acredita-se, assim, que os Pitaguary de hoje descendam diretamente da população que se fixou nessa região, compreendendo parte dos municípios de Pacatuba e Maranguape (do qual se originaria mais tarde Maracanaú)Já em 1863, foram registradas queixas dos índios contra posseiros que tentaram usurpar suas terras. Em complemento às fontes escritas, nas narrativas Pitaguary o contato é representado como sinônimo de invasão e perda de autonomia. Essas histórias revelam, inclusive, que parte das obras hoje encontradas na localidade de Santo Antônio dos Pitaguary, como a igreja e o açude de mesmo nome, foram construídas à custa de trabalho escravo indígena. No princípio, contam os narradores indígenas, “era tudo um povo só”, “uma só nação”, levada à divisão em face do contato. Esse era o tempo pretérito, onde havia liberdade. Com a chegada dos “ricos fazendeiros” veio, então, o tempo da “escravidão”, em que os índios foram levados a trabalhar na construção de grandes edificações. A escravidão ou o “cativeiro”, que aparece nessas narrativas, tanto quer significar uma prisão, de fato, quanto, simbolicamente, um estado de sujeição coletiva em que há perda de autonomia, ou seja, perda da liberdade de produzir e se reproduzir.Além dos fazendeiros, a terra indígena Pitaguary sofreu a ocupação do Estado, através de diversas instituições, durante um período consideravelmente extenso. Essa presença marcou profundamente a história da comunidade de Santo Antônio dos Pitaguary. Ao longo de décadas, em toda a região habitada pelos índios, o chefe da Secretaria de Agricultura do Estado do Ceará parece ter figurado como autoridade máxima, sendo posteriormente substituído pelos representantes da Empresa de Pesquisa Agro-pecuária do Ceará e, mais tarde, pela Polícia Militar do Ceará.Durante grande parte do século passado, os Pitaguary viveram num regime ditado pelos chamados “doutores”, ocupando, no máximo, posições subalternas que lhes eram destinadas nas casas dos chefes ou nas repartições públicas. Foi somente no início deste século que, após mobilização intensa por parte dos moradores, a Polícia Militar do Ceará, juntamente com a sua cavalaria, foi retirada de dentro da área Pitaguary. Paralelamente, outras medidas (como o fechamento do portão que dá acesso à localidade de Santo Antônio e ao açude de mesmo nome) deram continuidade à retomada, por parte dos índios, da terra que lhes cabia e do patrimônio material nela presente. De um modo geral, a retirada da Polícia Militar do Ceará, o fechamento do açude e o fim da comercialização de bebidas alcoólicas dentro da área representou, cada qual, um marco na história recente desse povo.
População
Com uma população de índios, todos falantes do português, os Pitaguary apresentam uma tendência ao crescimento populacional, negando, com isso, a tão propagada idéia do “desaparecimento” indígena no Ceará. A maioria dos habitantes da TI Pitaguary por lá sempre morou, mudando apenas de casa, de terreno ou, no máximo, deslocando-se para espaços circunvizinhos. Isso explica a recorrência de inúmeros cruzamentos familiares e de uma rede de parentesco bastante particular, na qual bem se evidencia a preservação, através de várias gerações, de sobrenomes de famílias como “Ferreira da Silva”, “Marcolino”, “Targino”, “Alves”, “Feitosa” e outros.Nesse contexto, a auto-identificação indígena tem como pilares o sentimento de uma origem e de uma unidade comum que é baseada nos laços de parentesco e que muitas vezes utiliza como recurso a invocação da memória dos antepassados. Isso fica expresso em falas como “porque minha avó era índia, minha mãe era índia”, “meu avô era índio brabo”, “são raízes antigas”, “aqui tudinho é índio, uma coisa só” e “aqui todo mundo se conhece, porque todo mundo se criou junto”. Em conversas cotidianas, também se observa o sentimento de pertencimento a um espaço comum. Igualmente fortes na sustentação da identificação que os Pitaguary fazem de si, esses pilares definem a idéia de uma comunidade que permanece sobre um território que lhes é deveras específico.
Situação fundiária e localização
Os Pitaguary vivem em localidades diversas, dentre as quais estão o já mencionado Santo Antônio, assim como Olho D’Água, Horto (sob a jurisdição do município de Maracanaú) e Monguba (no município de Pacatuba). Essas localidades estão dentro da Terra Indígena Pitaguary.
texto de Joceny de Deus Pinheiro
Doutoranda em Antropologia Social com Mídia Visual (University of Manchester); Mestre em Antropologia Visual (Granada Center for Visual Anthropology – University of Manchester); Mestre em Sociologia (Programa de Pós-Graduação em Sociologia – Universidade Federal do Ceará).